Comportamento

Em busca da fertilidade

Estudo da OMS faz um alerta: o mundo está ficando cada vez mais infértil. Um em cada seis adultos sofre com o problema e métodos de fertilização e adoção são os caminhos para constituir uma família

Crédito:  André Lessa

Dos contos da mitologia grega e dos personagens bíblicos que buscavam incessantemente a cura para a infertilidade até os dias atuais, fica evidente que, apesar das transformações sociais e comportamentais, boa parte das pessoas não quer abrir mão de ter uma família. Mas, até a chegada de um filho, muitos casais enfrentam uma longa jornada. Prova disso é o mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a infertilidade, mostrando que, hoje, um em cada seis adultos não consegue conceber antes de pelo menos um ano de tentativas, e o fenômeno não está atrelado à decisão cada vez mais frequente e global de postergar a concepção dos bebês. O problema é de saúde — na média, 17,5% das pessoas têm algum grau de infertilidade.

“Tivemos uma maternidade diferente, com o nascimento de um pai e de uma mãe para um filho” Simone e Henrique Previato, com Luca

Os cientistas e profissionais da saúde acreditam que fatores ambientais, como a exposição à poluição, interfiram no balanço hormonal que viabiliza a reprodução. “Muito estresse, aumento dos distúrbios metabólicos e hábitos de vida inadequados também podem fazer com que tenhamos um aumento na incidência da infertilidade no mundo”, explica Paula Fettback, ginecologista especializada em reprodução assistida e infertilidade de alta complexidade.
Sobrepeso e poluição são alguns dos fatores que têm produzido um declínio da fertilidade humana, aponta a nutricionista Camila Rodrigues Alves, que está há mais de 16 anos trabalhando na nutrição materno infantil, sendo seis atuando com fertilidade e gestação. “A alimentação natural e hidratação adequada ajudam a produzir os hormônios sexuais e a estimular o crescimento, a qualidade dos óvulos e dos espermatozoides”, explica.
Simone e Henrique Previato se casaram em 2005 e não imaginavam que o caminho para formar a família com filhos, que tanto almejavam, seria tão longo e cheio de percalços. “Desde o início falávamos em ter pelo menos três filhos, dois naturais e um adotivo. Só não esperávamos que o tempo iria passar e descobriríamos uma dificuldade de gerar filhos”, relembra a coordenadora de marketing.

Por volta de 2008, ela com 31 anos e ele com 32, começaram ir atrás de especialistas em fertilidade, e descobriram uma incompatibilidade sanguínea do casal. Para piorar, depararam- se com tratamentos de alto custo. “Não conseguíamos pagar o tratamento particular”, lembra.

Um gargalo na democratização desse sonho ainda é o acesso. Os valores para a realização de métodos de estimulação, o congelamento e as taxas de manutenção giram em torno de R$15 mil – e os gastos ficam maiores quando é preciso realizar mais que uma tentativa de fertilização in vitro. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), até é possível fazer o procedimento, mas o fluxo de atendimento não supre a demanda. “Buscamos auxílio no Centro Universitário Santo André, tratamento custeado pelo governo, então o custo cai quase 1/3 do valor total. Fizemos duas tentativas frustradas”, relembra Henrique.

Foram três longos anos, de diversas aplicações de injeções e inúmeros exames. Após seis meses da primeira tentativa, entraram na fila de adoção. Após três anos e alguns meses de espera, a família foi formada, com a chegada do Luca. “Às 15h, fomos surpreendidos com uma ligação. Uau! Foi uma ligação cheia de emoção, não esperávamos!”, conta Simone.

Hoje, a fertilização in vitro (FIV) e a inseminação artificial provocaram uma mudança no conceito de planejamento familiar. Quem vê Stella Wilderom com seus dois filhos, Aurora, de dois anos, e David, com três meses, não tem ideia do esforço, dos desafios e das perdas que abriram o caminho para a realização do sonho de ser mãe. Como muitas profissionais, ela investiu na carreira corporativa até os 35 anos, quando decidiu encerrar a fase como executiva para abrir seu próprio negócio. A mudança de cenário foi fundamental para a maternidade ganhar espaço na sua vida, e cerca de dois anos depois iniciou uma das suas jornadas mais complexas. “Sou de uma geração que não fala sobre maternidade tardia. Passei por inúmeros profissionais de saúde e nunca me falaram nada sobre os impactos que a maternidade pode gerar, após os 35 anos”, conta Stella.

Aos 37 anos, começou as tentativas e, após seis meses, teve uma primeira gestação que não vingou. Passado um ano, ao não conseguir engravidar, seu ginecologista a encaminhou para um fertileuta – médico especialista em reprodução humana. “Fui diagnosticada com um tipo de trombofilia, síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF), e já sabia que precisaria, ao engravidar, tomar injeções de enoxoparina sódica.”.

Depois dos exames, foi constatado que, por conta de todo o cenário e pela idade avançada, o caminho possível seria partir para uma FIV. “Sou grata por ter conseguido, por meio de tratamento e diagnósticos corretos, realizar o sonho de ser mãe”, relata Stella.

Gabriel Reis

As mulheres, na grande maioria, são as primeiras a procurar informações sobre o motivo de não conseguir engravidar, mas um estudo publicado na revista científica Human Reproduction Update, ligado à Universidade de Oxford (Inglaterra), demonstrou que a contagem de espermatozoides humanos diminuiu cerca de 52% de 1973 a 2018. Em quase 50 anos, houve uma queda anual de mais de 1% na quantidade de espermatozoides entre amostras de homens adultos com mais de 35 anos. “A questão da infertilidade no meu caso não é comigo, e sim com meu marido. Após algumas consultas com urologistas, veio então o diagnóstico de azoospermia, uma condição que pode afetar a produção, o armazenamento ou o transporte do espermatozoide até a uretra”, conta Liliane Ortiz, de 42 anos, que teve também que recorrer à fertilização.

“Sou grata por ter conseguido, por meio de tratamento e diagnósticos, levar a gestação adiante” Stella Wilderom, empresária

Dados da Anvisa mostram que em 2021 foram realizados 45.952 ciclos FIV no País. A coordenadora de comunicação Cintia Andrade faz parte desses números. Foram quatro anos de persistência: do diagnóstico de endometriose, ausência de uma trompa e diagnóstico de útero unicorno, a aborto e duas implantações de embrião para conseguir engravidar. “Os problemas de infertilidade ou outras questões acometem muitas mulheres. As tentativas desgastam. As injeções são doloridas, o custo é alto. Só quem passa sabe a dor. Recebi meu bebê aos 37 anos, de forma prematura, em janeiro desse ano, numa cesariana de risco. Mas tudo valeu à pena”, relata a jornalista.
De acordo com a Associação Brasileira de Reprodução Assistida (2019), a infertilidade conjugal afeta de 10 a 15% dos casais em idade reprodutiva no mundo. No Brasil, oito milhões de pessoas podem ser inférteis. A busca por tratamentos cresce à medida que a informação se dissemina.

PERSISTÊNCIA Cintia Andrade e seu filho Luca, de cinco meses, fruto de uma fertilização in vitro (Crédito:Tatiany Felix)