Bolsonaro, vacina, morte e prisão

Já havia quase três anos desde a morte do pai por complicações cardiopulmonares em decorrência da Covid-19. Não totalmente recuperado da perda, pois irreparável, a vida seguia relativamente menos infeliz. As crianças crescendo bem e saudáveis, a empresa se reerguendo dos anos mais duros e o namoro, após a recente separação, revigorava a tal pulsão de vida. Enquanto tomava o café, naquela ensolarada manhã de quarta-feira, Jorge ouviu a notícia sobre o mandado de busca e apreensão na casa do ex-presidente Jair Bolsonaro e pensou: “até que enfim”. Distraído, imaginou tratar-se de rachadinhas, golpe de Estado ou quaisquer outros potenciais delitos, tão comuns e presentes na vida do ex-verdugo do Planalto.

A caminho do trabalho, preferiu ouvir música, e não as notícias aborrecidas e diárias de Banânia. Porém, durante o almoço, não pôde evitar, e ficou sabendo do que se tratava a operação da Polícia Federal naquela manhã. Jorge sentiu o coração palpitar, o suor escorrer frio, o choro voltar com vigor. Incrédulo, custou a aceitar uma nova crise de ansiedade, algo de que se livrara há meses. A morte do pai veio à tona e Jorge só conseguia se lembrar das últimas palavras do maior amigo: “por que a vacina não chegou antes”? Ainda não imunizado com a segunda dose, mesmo sem comorbidades, o pulmão de fumante pesou e o vírus apagou o coração de 70 anos do Seu Moraes. A vacina que não chegou a tempo para seu pai e é a mesma que pode, agora, levar Bolsonaro para a cadeia.

O devoto da cloroquina ainda não foi responsabilizado por parte das 700 mil mortes causadas pela Covid. E nem pelo negacionismo e as mentiras que contou

O devoto da cloroquina não foi responsabilizado por ao menos parte das 700 mil mortes causadas pelo novo Coronavírus. Também não foi responsabilizado pelo curandeirismo, o negacionismo e as mentiras que contou. Tampouco pelas infrações sanitárias diárias e pelo deboche com os amigos e familiares das vítimas fatais. Nem mesmo por atrasar e boicotar a vacinação, inclusive de crianças e adolescentes.

Contudo, diante da fraude praticada por si, ou ao menos em seu benefício e de sua filha, talvez o patriarca do clã das rachadinhas e das mansões milionárias, compradas com panetones de chocolate e muito dinheiro vivo, encontre, finalmente, a justiça que lhe é merecida. Se assim for, Jorge – que pode ser João, José, Maria, Thereza, Ana… – poderá, quem sabe? , levar a vida, senão mais leve, ao menos, menos pesada. Se Deus escreve mesmo certo por linhas tortas, chegou a hora de Jair Bolsonaro passar uma bela temporada atrás das grades por causa de um simples cartão de vacina.