Cultura

Amor ao cinema

No belo Império da Luz, Sam Mendes trata a sétima arte como remédio para os problemas da realidade

Crédito: Divulgação

ESCAPE Império da Luz: roteiro sensível com astros de Hollywood (Crédito: Divulgação)

O s filmes do britânico Sam Mendes costumam ter temas bem definidos. Beleza Americana fala sobre a hipocrisia da sociedade; 1917 narra o drama da Primeira Guerra Mundial. 007 Contra Spectre e Operação Skyfall, por sua vez, são enredos de ação estrelados por James Bond. É difícil, porém, definir o tema principal de Império da Luz, seu novo filme. Aborda o racismo, mas também há romance. Discute solidão e saúde mental, enquanto expõe assédio sexual e traição. Em meio a tudo isso, é uma declaração de amor ao cinema, esse lugar mágico para onde vamos quando queremos escapar da realidade, ainda que por pouco tempo.

A produção que acaba de estrear no streaming Star+ traz, em seu elenco, uma constelação de astros que incluem Olivia Colman, Colin Firth e Toby Jones. A história acontece em 1981 e se passa em uma pequena cidade litorânea da Inglaterra. O período marcou o auge do poder de Margaret Thatcher, ex-primeira ministra britânica famosa por declarar que “não existe sociedade, apenas indivíduos”. A frase é uma boa amostra da metodologia que ela implantaria por meio de suas políticas anti-movimentos sociais e minorias.

A contratação do jovem negro Stephen (Micheal Ward) para integrar a equipe de funcionários do cinema Empire provoca uma pequena revolução nesse microcosmo, além de despertar emoções mais fortes na gerente Hilary (Olivia Colman). Ela enfrenta preconceito pelo histórico de problemas mentais; ele, por ser alvo de racismo. A dupla desenvolve uma amizade que ultrapassa a relação de trabalho. Enquanto um ajuda o outro a enfrentar o cotidiano cada vez mais hostil, o sentimento surge e os envolve. Hilary, no entanto, é amante do dono do cinema, Mr. Ellis (Colin Firth), o que adiciona tensão à situação. Em paralelo, temos a visão de Norman (Toby Jones), o velho projecionista e responsável pelas ilusões exibidas na tela do velho Empire.

Para Micheal Ward, contracenar com uma vencedora do Oscar como Olivia Calmon foi uma experiência única. “É uma atriz real e autêntica. Sua maior lição, porém, foi como ser humano, pela maneira com que tratou a equipe e a forma tranquila como encara o sucesso”, afirmou ele à ISTOÉ. O ator contou, ainda, como se sentiu quando Mendes o convidou a contribuir com o roteiro: “Ele me pediu para colaborar na criação do personagem e valorizou minha opinião. Apesar de ter presenciado certas situações, ele não sofreu diretamente com o preconceito, como eu”.

Além das belíssimas imagens de Sir Roger Deakins, duas vezes vencedor do Oscar de Melhor Fotografia — por Blade Runner 2049 e 1917, também dirigido por Mendes —, o destaque de Império da Luz é a hipnótica trilha sonora criada por Trent Reznor e Atticus Ross, provavelmente os produtores mais talentosos de Hollywood na atualidade. A dupla revela que ganhou carta branca do diretor após tomar uma decisão arriscada: trocar uma melodia de piano do lendário jazzista Bill Evans por uma criação própria. “Quando ouvi a peça de Evans, senti uma certa nostalgia. Como compositor, porém, acreditei que seria possível substituí-la por algo original, para que o público tivesse menos certeza do que estava por vir”, afirma Reznor. Mendes concordou, é isso que vemos na versão final. A música, aqui, foi a costura perfeita que uniu os diversos temas apresentados por Sam Mendes.

ENTREVISTA Sam Mendes, diretor
“São as atuações que determinam se um trabalho é bom ou ruim”

Em Império da Luz, o cinema é quase o protagonista. É uma crítica aos novos tempos de streaming?
Sam Mendes — Acredito que a trama é mais sobre dois personagem excluídos da sociedade, que se encontram graças ao cinema. Quando eu era criança, ver filmes era uma válvula de escape para os problemas. Sou otimista, acredito que com o fim da pandemia as pesssoas voltarão aos cinemas. Ninguém mais quer ficar em casa. É uma forma de fugir da realidade e de outras dificuldades.

Qual é a diferença entre dirigir uma superprodução, como as da franquia do agente secreto James Bond, e uma obra mais intimista, como essa?
Todo filme é diferente. Grandes produções têm mais verba e mais tempo, mas também sofrem mais pressão. Minha maior preocupação é o elemento humano, aquele que nos une. São as atuações que determinam se um trabalho é bom ou ruim. Afinal, eles têm sempre algo em comum: serão exibidos em telas do mesmo tamanho e protagonizados por seres humanos.

EXCLUÍDOS Stephen (Micheal Ward) e Hilary (Olivia Calmon): cotidiano hostil (Crédito:Divulgação)

Sua carreira no teatro é reconhecida por todos. Há semelhanças entre o palco e o set de filmagem?
Dizem que o teatro prepara os atores para os filmes. Acho que é o contrário: a experiência como ator de teatro é mais completa e depende de uma boa interação entre todos do elenco. No cinema, basta um único bom momento captado pela câmera.

Como foi criada a trilha sonora?
Trabalhar com Trent Reznor e Atticus Ross foi diferente de tudo que já fiz. Eles criaram a música baseada no roteiro e nas referências que mostrei, antes mesmo do início das filmagens. Isso me deu ideias e ajudou a criar o clima de algumas cenas.

NOSTALGIA Sam Mendes: a prioridade é o elemento humano (Crédito:Divulgação)