Entrevista

José Guimarães, Líder do governo na Câmara

A CPMI vai botar o dedo na ferida e revelar quem comandou o 8 de janeiro

Wenderson Araujo

A CPMI vai botar o dedo na ferida e revelar quem comandou o 8 de janeiro

Editora Três
Edição 29/05/2023 - nº 2779

Por Victor Fuzeira

Um dos pilares na articulação de Lula no Congresso, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), está entre os governistas que antes torciam o nariz para a instalação da CPMI dos Atos Antidemocráticos, mas foram obrigados a mudar de opinião devido às circunstâncias impostas com o vazamento das imagens internas da sede do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro. O petista entende, agora, que a comissão será necessária para o governo “colocar o dedo na ferida” dos bolsonaristas. No entanto, para que isso ocorra, o parlamentar defende uma “apuração ampla, geral e irrestrita”.

À ISTOÉ, o líder petista diz ser preciso concentrar a atuação do colegiado “naqueles que se esconderam nas redes sociais, patrocinaram, convocaram ou financiaram” os ataques às sedes dos Três Poderes. “Não é trivial chegar aqui e quebrar tudo. Isso é um ato criminoso e aqueles que deram cobertura aos crimes devem ser punidos”, enfatiza. Ele acrescenta que o entorno do presidente Lula “não tem nada a temer” com a instalação da CPMI. “O único problema é que vamos perder muito tempo com uma investigação que já está sendo feita pela PF e pelo STF”, critica, indicando que o tensionamento do Parlamento deve atrasar a tramitação de pautas caras ao Planalto, como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária.

A divulgação das imagens que mostram a invasão do Planalto no dia 8 de janeiro criou uma situação política irreversível ao governo para a instalação da CPMI?
Queremos apurar tudo e, portanto, vamos apurar. Já que a oposição quer a CPMI, vamos botar o dedo na ferida. Nós do governo tínhamos que estar preocupados com a fome, com o arcabouço fiscal que vai ser votado e com a Reforma Tributária, mas, já que querem fazer a CPMI, vamos para dentro dela investigar tudo. Vamos trazer para o centro da apuração todos aqueles que se esconderam nas redes sociais, patrocinaram, convocaram e financiaram os atos. E queremos identificar quem comandou e foi o responsável direto pelo atentado contra a democracia, em uma apuração ampla, geral e irrestrita.

Antes, o governo atuava para esvaziar a CPMI, assim como havia feito no Senado ao inviabilizar o colegiado articulado pela senadora Soraya Thronicke. O governo tem motivos para temer a instalação das comissões?
O governo não tem nada a temer. Foi o governo que restabeleceu a ordem democrática, que estava sendo ameaçada pelos golpistas. O único problema é que vamos perder muito tempo.

Por que o Planalto era contra a instalação das comissões?
Eu nunca vi uma coisa tão exótica. Quem patrocinou os atos de vandalismo foram os bolsonaristas e, mesmo assim, querem uma CPMI. Qual é o objetivo? O governo foi contra por entender ser desnecessária, uma vez que nunca se teve uma apuração tão célere quanto a que está sendo conduzida pela PF e STF sobre os atos do dia 8. Já teve gente presa e tem gente que vai pagar pelo que fez. Não é trivial chegar aqui e quebrar tudo: isso é um ato criminoso e aqueles que deram cobertura devem ser punidos. Mas não é com pirotecnia, e sim com ações concretas, com provas. A CPMI é mais um palco que a oposição quer para tumultuar.

Há uma banalização do instrumento da CPI?
Eu nunca pautei minha atividade parlamentar por CPI. Nós temos que discutir ideias e propostas. Repito, essa CPI só servirá à oposição. Tem três coisas que foram vulgarizadas no Parlamento: a judicialização da política, a banalização da CPI e convocação de ministros, que é feita toda semana. É preciso que haja uma razoabilidade.

A convocação de ministros pela Câmara tem virado rotina e as audiências com os titulares das pastas têm sido marcadas por discussões acaloradas com a oposição. Há preocupação com esse clima hostil aos ministros no Congresso?
O governo não tem nada a temer com a vinda dos ministros. Toda a semana temos ministros aqui na Casa para debater. Eu acho que quem perde é a oposição com esse clima de hostilidade.

Em função desses excessos protagonizados pela oposição, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem defendido uma atuação célere do Conselho de Ética para garantir o decoro parlamentar. É hora de punir os deputados pela conduta inadequada?
O presidente da Câmara tem que tratar dessa questão, do respeito à autoridade constituída e o respeito entre os parlamentares. Arthur Lira tem sim que tomar providências para levar alguns deputados ao Conselho de Ética. Do contrário, vai virar uma Casa da bagunça, do desrespeito e do vale-tudo.

O clima hostil e o tensionamento do Parlamento podem atrapalhar a votação do novo arcabouço fiscal e da Reforma Tributária?
De janeiro para cá, Haddad tem sido um negociador muito potente no Congresso. Ele já reuniu todos os líderes, já conversou inúmeras vezes com o presidente Arthur Lira e, portanto, o texto chega aqui na Casa com bastante estabilidade para ir a voto. Acredito que tem espaço, sim, para votarmos o novo arcabouço em 15 ou 20 dias. Com o relator já definido, é tocar o tambor para votar no plenário. O ambiente é bom e estou muito confiante que vamos aprovar. É um fato raro no Congresso aprovar um projeto neste espaço de tempo.

Eventuais mudanças na redação proposta pelo Ministério da Fazenda para o novo modelo de âncora fiscal preocupam o governo?
As mudanças não preocupam desde que não alterem a ideia central, isso é fundamental. Pode haver mudanças? Sim, aqui é a Casa do diálogo. Mas a espinha dorsal do texto precisa ser mantida, que é o de assegurar o gasto social e as metas fiscais.

Qual o diferencial do arcabouço fiscal proposto por Lula para o teto de gastos?
O País precisa ter previsibilidade, estabilidade e credibilidade. A política de teto de gastos foi a maior desorganização fiscal que o País já viveu. O antigo governo patrocinou pelo menos quatro grandes ‘fura-tetos’. Eles foram furando o teto de gastos de acordo com as necessidades eleitorais de Bolsonaro. E eu não vi nenhum estresse do mercado. Eles foram furando tudo e veio a campanha, quando meteram a mão nos bancos públicos para emprestar dinheiro sem nenhum critério. E isso provocou a maior desorganização da base fiscal do País. O esforço do governo agora é recompor isso para ver se o Brasil volta a crescer.

Com a aprovação do novo arcabouço e da Reforma Tributária, o BC terá que rever a política de juros?
A autoridade monetária vai ter que baixar os juros. Mas não deveria baixar só por conta da aprovação da Reforma Tributária e do novo arcabouço fiscal. Esta Casa aprovou a independência do BC — contra o meu voto, mas aprovou — instituindo na lei que a autoridade monetária se guiará por três princípios: estabilidade econômica, emprego e controle da inflação. Isso não está sendo considerado agora. Qual é o surto inflacionário que nós temos no País? Nenhum. Muito pelo contrário, houve uma redução. A situação econômica do País não tem como conviver com a taxa de juros atual, vai ter que baixar.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, deve explicações sobre a inércia para alterar a taxa de juros?
Por que ele não vem ao Congresso explicar nada? Ele vai todos os dias conversar com os banqueiros. Os ministros do governo estão aqui todos os dias dando explicações. Criou-se uma máxima aqui dentro de que ninguém pode chegar perto da autoridade monetária, é uma coisa intocada. Ele pega um avião e vai direto para a Faria Lima, conversa lá e volta. E o Congresso sequer tem o direito de saber as razões pelas quais está mantendo essas altas taxas de juros.

O governo tem sido muito cobrado pela demora na consolidação de uma base aliada na Câmara. Há motivos para temer reveses em votações importantes?
Quem disse que o governo não tem base? Estamos fazendo um esforço enorme para consolidar a nossa base e dar sustentabilidade ao governo aqui dentro. Até agora, já votamos várias matérias, não só matérias polêmicas. Nós já compusemos as comissões temáticas, estamos dialogando permanentemente com a oposição para não ter convocação de ministros. A gente tem conseguido relativo êxito nessa articulação.

A bancada do União Brasil irá entregar os votos a Lula nas votações em plenário?
O União Brasil participa da gestão, tem espaços dentro do governo e, evidentemente, chegará a hora em que o painel de votação vai funcionar e aí sim precisaremos dos votos dos nossos aliados. Vamos precisar que os ministros vinculados a esses partidos atuem para consolidar os votos necessários para a aprovação das matérias que interessam ao governo.

A saída da ministra Daniela Carneiro do União Brasil altera o cálculo da base governista no Congresso?
O União Brasil é um partido que tem suas divisões internas, mas vamos trabalhar para que esse desarranjo não atrapalhe. É claro que, agora, cabe a eles do partido se sentarem para conversar. A gente apenas acompanha, pondera. Nós queremos o União Brasil integrado ao governo de corpo e alma, braço, tronco e cabeça. Não pode haver meio-termo. Eu sempre contei com o União Brasil na faixa dos 40 votos, nunca contei integralmente, pois sei que é um partido que tem suas divisões internas.

É uma chance de atrair o Republicanos para a base aliada?
Já estamos dialogando com o líder do Republicanos na Câmara, deputado Hugo Motta (PB), e se o partido vier para a base continuaremos com o mesmo diálogo, mas em maior potência.

O senhor avalia que essa movimentação dos blocões contribui para isolar ainda mais a oposição?
Você tem duas frentes de articulação para as coisas funcionarem para o governo aqui na Câmara: lideranças formais e negociação de parlamentares. Tenho ótimo diálogo com o líder do PL, Altineu Cortes. A gente, nas broncas de convocações de ministros, sempre se entende. Eu vou continuar esse diálogo. Tem muita gente do PL dizendo que pode até votar contra o governo em um ou outro caso, mas, no geral, quer nos ajudar e eu não farei nada para desrespeitar o líder. A liderança de uma bancada é algo sagrado.

Lula está sendo pressionado a negociar cargos de segundo e terceiro escalão para ampliar a base no Parlamento. Essa demora começa a atrapalhar as articulações no Congresso?
Eu conheço bem essa história. Para nomear uma pessoa, há todo um caminho lento e tortuoso, isso demora. Quando se tem o OK do mundo político, passa a depender do OK da vida pregressa do indicado. Esse sistema burocrático é incompatível com a urgência das votações que temos no Congresso e essa via crucis só atrapalha a governabilidade.