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Uma questão de grau

Óculos passam de corretores de visão a itens do universo fashion; cores e formatos divertem quem precisa usar os acessórios, rompendo com a formalidade

Crédito: Gabriel Reis

Chantal Goldfinger: coleção pessoal com quase 4 mil armações (Crédito: Gabriel Reis)

Por Duda Ventura

Por qual lente você quer enxergar o mundo? A escolha de qual armação usar nos óculos se tornou central na hora de compor visuais cada vez mais pessoais e significativos. Para além das roupas e dos sapatos que valorizam ou disfarçam aspectos de cada corpo, os formatos, cores e materiais das molduras e lentes também estão sob os holofotes para definir a imagem de quem as utiliza. A tendência marca o enfraquecimento do estereótipo dos óculos de grau como “vilões” da aparência descolada, que categorizava quem os colocasse no rosto como formal e sério. Com isso, aumenta o número de marcas focadas em modelos criativos e diferentes dos convencionais quadrados ou redondos mais discretos. “Com o crescimento das mídias sociais na última década e a ascensão da cultura da selfie, as pessoas começaram a utilizar cada vez mais os óculos como peças de autoexpressão”, conta Raphael Costa Neves, diretor criativo da Archai, que vende armações com design variado.

“Meus óculos favoritos são aqueles que me transformam numa caricatura de mim mesma”
Chantal Goldfinger, entusiasta de óculos

O visagismo, profissão com quase um século de história, reúne profissionais empenhados em analisar os traços do rosto de seus clientes, e ajudar na escolha da melhor armação faz parte do processo. Algumas regras já são conhecidas, inclusive para a saúde dos olhos – as sobrancelhas devem ficar acima da moldura, o encaixe no nariz deve ser perfeito e o tamanho das bochechas, bem como o do queixo, deve ser levado em conta. A nova moda, porém, questiona algumas regras. “Os óculos são maneiras de cada um vestir sua personalidade para além das caixinhas do que é o indicado para cada formato de rosto”, afirma a entusiasta de óculos Chantal Goldfinger. Em sua coleção pessoal que beira as 4 mil armações, a empresária prioriza aquelas que são mais marcantes. “Quando comecei a comprar, todos seguiam os padrões que vemos nas ruas, mas, conforme ganhei confiança, fui ousando mais. Meus favoritos são aqueles que falam por conta própria, que chegam antes de mim nos lugares. Aqueles que me transformam numa caricatura de mim mesma.”

À MÃO Filipe considera o design de óculos muito parecido com o de esculpir uma obra de arte (Crédito:Divulgação)
Divulgação

Ligado à intelectualidade

Chantal faz parte do grupo de pessoas que desde a infância tinha vontade de usar óculos de grau. Para ela, eles simbolizavam uma proteção contra a timidez, uma chance de quebrar suas barreiras interpretando o personagem que quisesse. Tanto que os primeiros não eram corretores de visão, mas adornos para se diferenciar dos colegas. O uso para destaque social, entretanto, ocorre desde a origem do objeto. “Eles não surgiram com a função de ler melhor, mas sim com o interesse da monarquia chinesa de se diferenciar”, explica a professora do Hub de Moda e Luxo da ESPM, Andreia Meneguete. “No fundo, os óculos estarem relacionados à intelectualidade não é por acaso. Sempre foi sobre quem pode pagar por essas lentes e quem tem o conhecimento para usá-las”, ela explica, acrescentando que os óculos passam a se associar ao estilismo na Pós-modernidade. “Hoje, temos para todos os gostos, estilos e formatos”, complementa o designer óptico Filipe Diniz. Há 17 anos, ele produz modelos limitados, feitos individualmente, segundo as demandas de cada cliente – é a chamada “alfaiataria eyewear”. “Não existe nenhum outro produto que tenha a saúde e a moda tão bem conectados como os óculos. São objetos que unem o físico e o emocional.”

“Não existe nenhum outro produto que tenha a saúde e a moda tão bem conectados como os óculos” Filipe Diniz, designer óptico

Assim como ocorre no vestuário, os idealizadores das armações precisam estar ligados às tendências de cada período para o desenvolvimento das lentes, analisando materiais e cores em alta. Além disso, na produção por encomenda, como no caso de Filipe, há pedidos específicos. Há desde quem precise dos sob medida por problemas graves de visão até aqueles que querem uma armação para ocasiões especiais, como um casamento ou o nascimento dos filhos.

CELEBRIDADES Costanza Pascolato assina linha própria e Karol Conká usa armações para destacar seu estilo (Crédito:Divulgação)
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Andreia lembra que os óculos passaram a simbolizar assinaturas de estilo, como os perfumes e acessórios. Essa mudança no mercado, que faz com que as pessoas comprem muitos pares – como a Chantal, que até mudou de casa para acomodá-los –, é justificada. Com o avanço das tecnologias, as pessoas vão assumindo diversos papéis sociais ou “personas”. Filipe Diniz concorda, mas brinca que a paixão de cada um por suas coleções vai muito além disso: “Se os olhos são a janela da nossa alma, os óculos são a moldura”.

* Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes