entrevista renato casagrande

Entrevista

Renato Casagrande, Governador do Espírito Santo

“Lula precisa assumir pessoalmente a articulação”, diz governador do ES

Gabriel Lordello/Mosaico Imagem

“Lula precisa assumir pessoalmente a articulação”, diz governador do ES

Editora Três
Edição 25/05/2023 - nº 2782

Por Marcos Strecker

Renato Casagrande apoiou Lula em 2022 e foi o único governador eleito sem estar vinculado a um candidato a presidente hegemônico na sua região. O petista teve 41,5% dos votos no Espírito Santo, enquanto Jair Bolsonaro conquistou 58,5%. Apesar do pleito ter sido “nacionalizado”, o político do PSB atribui sua reeleição ao apoio popular à sua gestão, que tem na disciplina fiscal uma das suas grandes marcas. O governador recebeu 54% das cédulas e está em seu terceiro mandato.

A tradição de responsabilidade fiscal criou as condições para Casagrande criar um Fundo Soberano estadual, que é engordado com recursos da exploração de petróleo e gás e se destina a setores como tecnologia.

O governador prega a modernização da gestão pública. Ao contrário de colegas do seu partido, o socialista não encara as privatizações como um tabu.

Diz que as estatais precisam mostrar eficiência e defende as parcerias privadas. Com a experiência acumulada como senador e deputado federal, ele considera que o governo federal precisa se adaptar a um Congresso mais conservador.

Acha que o presidente precisa entrar no corpo a corpo com parlamentares e que temas de conteúdo mais ideológico terão aprovação difícil.

Como o sr. vê a tentativa malsucedida do governo federal de mudar alguns pontos do marco do saneamento? Não é um retrocesso?
Não vejo problema, o debate é se o decreto acertou ou não. Até falei no dia em que o presidente Lula lançou. Disse que para nós pouco importa se o investimento é privado ou público. O que interessa é que tenhamos resultado em termos de saneamento. Temos aqui no estado uma empresa pública de saneamento e já fazíamos parceria com o setor privado. Já tínhamos PPPs antes do marco do saneamento. A lei estabeleceu uma competitividade maior, permitiu que o setor privado possa entrar com mais intensidade. As empresas públicas sobreviverão se tiverem eficiência. É importante que as empresas que continuarem públicas permaneçam atendendo a população, tenham resultados.

O ministro Márcio França, do seu partido, é contra a privatização do Porto de Santos. O sr. não acha que isso afasta os investidores?
Eu vi o ministro Marcio França em São Paulo fazendo o novo leilão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN). Não vejo o ministro contra as privatizações, nem o governo federal contra elas. O que o governo está estabelecendo são novos critérios para a parceria com o setor privado. Discuti isso com o ministro França, com o Rui Costa (Casa Civil) e com o Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Aqui no Espírito Santo o governo do ex-presidente Bolsonaro fez uma concessão da companhia Docas do Espírito Santo envolvendo a Autoridade Portuária. Nós achamos que do jeito que foi feito já está tendo resultado positivo, mas o governo federal estabeleceu que não concederá a Autoridade Portuária. No porto de Santos acredito que vai ter concessões de terminais. O governo buscará parceria com o setor privado, mas em critérios e parâmetros diferentes. É possível ter empresas públicas eficientes, como temos aqui a Cesan, de saneamento, e o Banestes, um banco. Acabei de fazer um leilão da empresa de gás do estado. Tem setores em que a empresa pública, se estiver funcionando bem, pode continuar. O que temos que buscar é eficiência para atender melhor a população.

O governo federal tem tido dificuldade em aprovar matérias no Congresso. O sr. acha que o presidente precisa assumir a articulação política?
O presidente precisa assumir pessoalmente a articulação política. Temos um Congresso conservador. A eleição de 2018 levou a uma presença forte de partidos conservadores no Congresso. Temos uma oposição cristalizada ideológica em diversos partidos na Câmara e no Senado. Existe um patrulhamento dos eleitores sobre os congressistas. O maior desafio do presidente é essa relação com o Congresso. É só verificar: quando tem algum projeto com algum componente ideológico, há dificuldade. Veja o PL das Fake News. Não teve ambiente para ser votado ainda. Matérias que estão acima das questões ideológicas terão mais chance de serem aprovadas. Matérias com o mínimo de comprometimento ideológico vão exigir muito esforço do governo federal.

Como o sr. vê a Reforma Tributária? Pode prejudicar os estados?
Nosso sistema é complexo e regressivo. O modelo de imposto de valor agregado (IVA) é usado na maioria dos países, deve ser implementado aqui. É lógico que a dificuldade mora nos detalhes. Mas a premissa de não ter perda de receita vai acontecer, pois é uma reforma que vai ter uma transição de 40 anos. Os governos se adaptarão. Mas há um ponto que é preocupante: o fundo de desenvolvimento regional. Hoje os estados menores, de menor população, têm um instrumento que é o incentivo fiscal para atrair atividade econômica à sua região. Na hora em que você migra totalmente para a tributação no destino, os estados mais populosos ficam mais competitivos. Os menos populosos precisam ter algum instrumento de compensação.

O sr. acha que nas eleições municipais de 2024 haverá menos polarização?
Depende muito do desempenho do governo Lula. Minha observação, principalmente a partir do Espírito Santo, é que o tensionamento se reduzirá. Vamos ter uma eleição municipal. A tendência é de as pessoas olharem um pouco mais para o ambiente local. Em 2022, o único estado em que o governador foi eleito sem estar vinculado ao candidato a presidente hegemônico foi o Espírito Santo. Eu tinha coligação com o PT. Apoiei o presidente Lula e consegui me eleger em um estado em que o Bolsonaro teve 58,5% dos votos. O Lula teve 41,5% dos votos, e eu tive 54%. Todos os outros estados em que o Lula era forte, ele puxou o seu governador. Onde o Bolsonaro era forte, favoreceu o seu governador. O único lugar onde conseguimos romper essa bolha foi no Espírito Santo. A eleição passada foi quase 100% nacionalizada. Em 2024, a polarização vai ser muito menor.

O sr. preside o Consórcio Brasil Verde, que reúne 21 estados. Considera que o Brasil está avançando na transição para a economia verde na velocidade adequada?
Acho que o Brasil está avançando, sim. Há muitas iniciativas no setor privado e na administração pública. O consórcio tem essa tarefa de incentivar que os estados tenham seus programas ligados à mudança climática e de neutralidade de carbono. O Brasil tem metas a cumprir, que não podem ser só do governo federal. Os estados e municípios podem e devem ajudar. Nossa tarefa é acompanhar o debate no Congresso. Por exemplo, a votação do projeto de lei do mercado de carbono é fundamental.

O senhor é a favor da exploração do petróleo na foz do rio Amazonas?
Esse é um assunto muito polêmico. O Brasil está precisando se recolocar internacionalmente como um país que conseguiu reduzir o desmatamento ilegal ou zerar o desmatamento ilegal. Temos uma polêmica ainda colocada em relação à destruição da floresta para entrar em outra polêmica agora. Esse tema terá repercussão internacional e é preciso que saia da esfera de Petrobras e se torne uma decisão de governo. Porque vai influenciar a imagem do Brasil no exterior. Acho que é preciso refletir e conversar um pouco mais antes de se tomar uma decisão definitiva.

O Espírito Santo foi um dos estados pioneiros no ajuste das contas públicas. A responsabilidade fiscal rendeu frutos?
Gestão fiscal é um tema que deve ser preocupação de todos os governantes e líderes políticos, independentemente da filiação partidária. Eu governei o estado pela primeira vez de 2011 a 2014. Em 2012, o Espírito Santo adquiriu a nota máxima em gestão fiscal. De lá para cá, até 2022, foi o único estado do Brasil a ter todos os anos a nota máxima. Em 2013, introduzi a aposentadoria complementar do servidor público. Ser reconhecido como um estado de gestão fiscal responsável permitiu ao Espírito Santo ter capacidade para investimentos e para implementar programas importantes para a população. Desde 2011 e de 2019 a 2022, investimos R$ 8 bilhões em infraestrutura. É um volume importante em um estado que tem 4,2 milhões de habitantes. Nos próximos quatro anos, poderemos atingir R$ 10 bilhões em investimentos.

Qual é a ideia do Fundo Soberano criado pelo estado?
Ele é abastecido com 40% dos royalties de petróleo que mensalmente recebemos e 15 % da participação especial. Hoje já temos mais de R$ 1,2 bilhão. Eu poderia naturalmente usar esse dinheiro em obras e programas. Mas eu e minha equipe queremos demonstrar que a gestão pública também tem que pensar a médio e longo prazo. Uma parte desses recursos é poupança intergeracional e outra parte é para atrair atividades econômicas que não sejam petróleo e gás. Já lançamos um fundo de investimento para empresas de tecnologia. Lançamos recentemente um edital para empresas nas áreas industrial, de educação e saúde. Queremos incentivar a vinda de companhias para cá, potencializando as que já estão aqui e têm compromisso com ESG (governança ambiental, social e corporativa). O cidadão olha para o Espírito Santo e vê que é um estado organizado e equilibrado e que consegue responder aos desafios. Isso permite que ele tenha confiança de investir ou de morar aqui. É um caminho que temos perseguido e que tem dado resultado.

O discurso de responsabilidade fiscal dá votos?
Tem a adesão da maioria da população. O brasileiro compreende isso. Inclusive vive administrando a sua renda, o seu salário. Ele sabe que o País não pode conviver com juros altos, que consomem boa parte do Orçamento, impedem que se possa aplicar em infraestrutura, resolver os problemas sociais. É muito importante que o governo tenha capacidade de reagir às necessidades da população. Uma máquina organizada é boa para isso. Esse arcabouço fiscal proposto pelo ministro Fernando Haddad é moderno, tem um teto que pode variar de acordo com a receita. É mais inteligente do que um teto rígido. Do jeito que foi apresentado, é uma proposta inovadora que dará uma direção. O País não conseguirá se organizar rapidamente, mas tendo disciplina fiscal, em alguns anos o Brasil poderá ser equilibrado e aí poderemos sair desse debate de política monetária, de redução de juros. A gente sabe que o controle dos gastos e o equilíbrio das contas públicas são básicos para evitar a instabilidade econômica.