Comportamento

Praias de cacos de vidro

“Areia” feita de pedras coloridas, fruto da degradação de objetos do material, alerta para o consumo desenfreado e descuido com a natureza

Crédito:  Philippe TURPIN/Photononstop/AFP

Brilho eterno: na Glass Beach, na Califórnia, garrafas e itens de 1960 viraram pequenas rochas pela ação das ondas (Crédito: Philippe TURPIN/Photononstop/AFP )

Que a areia é uma das matérias-primas do vidro já se sabe, mas o contrário será possível? Um fenômeno em praias do mundo fez com que toneladas do material se transformassem em pedras coloridas. “O vidro tem esta particularidade. Ele não se decompõe, mas pode ser agregado”, diz Valdir Schalch, docente sênior do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da USP.

Procuradas por turistas pela beleza e singularidade, suas formações alertam o oposto: “É o retrato perverso do excesso de consumo e do descuido com a natureza“, diz Emília Wanda Rutkowski, professora associada da FECFAU/Unicamp, coordenadora associada do laboratório Fluxus e membro do ORIS – Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária. Mineira do Quadrilátero Ferrífero, ela compara a relação humana com essas paisagens à admiração às montanhas de minério que soterravam a região.

Se o ir e vir das ondas deu conta de lapidar os materiais sintetizados pelo homem, nem sempre o meio ambiente pode absorvê-los. O vidro leva cerca de 4 mil anos para se decompor e arqueólogos já encontraram utensílios de 2000 a.C.

“O que significa esse vidro que vai sendo picotado e cai na água quando é absorvido por filtradores, como baleias? Todos são redondos ou alguns têm farpas? Há consequências?”, fala Emília, recordando a catástrofe de animais recheados ou estrangulados por plástico.

Os vidros descartados há mais de meio século em Glass Beach, nos Estados Unidos, e em Ussuri Bay, na Rússia, atentam para a importância da gestão dos resíduos e da conscientização.

“Resíduo é tão complexo que você deveria cuidar dele todo dia. Se você não faz naquela geração, as pessoas não ficam habituadas”, fala Schalch, lembrando os números negativos da produção. A quantidade de água para a fabricação é absurda: 0,6 litro para cada quilo, sendo que os Estados Unidos é o segundo produtor do mundo. “Não é para fazer delas áreas de turismo, mas de educação ambiental, para evitar que isso aconteça”, comenta Emília.