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Futebol investigado: manipulação de resultados ganha CPI e inquérito na PF

Câmara Federal instaurou CPI para aprofundar investigações de manipulações no futebol e o governo apressa MP para regularizar casas de apostas, que serão tributadas

Crédito: Divulgação

Na lista: os jogadores Gabriel Tota (à esq.), Paulo Miranda (no alto) e Bauermann (à frente), sob investigação (Crédito: Divulgação)

O fio de mais uma meada de corrupção ligada ao futebol foi puxado por Fernando Martins Cesconetto, promotor integrante do Gaeco/MPGO, em novembro do ano passado. Ele acolheu denúncia de Hugo Jorge Bravo de Carvalho, presidente do Vila Nova, que teve conversa incisiva com um aliciador de jogadores interessados no esquema de um grupo especializado em fraudes.

A investigação andou e 16 jogadores e aliciadores envolvidos na trama se tornaram réus da Justiça de Goiás pela manipulação de resultados de 13 jogos, oito deles do Campeonato Brasileiro da Série A e um da Série B de 2022, mais quatro de Estaduais de 2023.

O escândalo chegou a Brasília e, na quarta-feira, 17, a Câmara instalou uma CPI para apurar manipulação de resultados. Flávio Dino, o ministro da Justiça e Segurança Pública, determinou instauração de inquérito na Polícia Federal.

E o Ministério da Fazenda já finaliza proposta de Medida Provisória (MP) para regulamentar apostas e que as bets, ou casas de apostas via internet, passem a ser tributadas, para que a arrecadação de impostos, estimada em R$ 6 bilhões/ano, seja destinada a segurança pública, educação básica, clubes e ações sociais.

Patrocínio bilionário

Investimentos estimados em R$ 3 bilhões são colocados pelas bets em camisas de 19 dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro (a exceção é o Cuiabá), sem contar os demais clubes do futebol brasileiro. Com a MP proposta pela Fazenda, essas casas teriam de pagar R$ 30 milhões ao governo para expor suas marcas. Em audiência pública de 12 de abril, ficou claro que R$ 6 bilhões deixam de ser arrecadados a cada ano, desde 2018, porque a Lei 13.756, que liberou as bets, não foi regulamentada no prazo de dois anos, nem nos outros dois da prorrogação.

Estima-se que as casas de apostas faturem R$ 150 bilhões, muito mais do que os R$ 23,2 bilhões, que a Caixa divulgou como arrecadação de suas loterias em 2022. Agora, as bets pagarão 16% de imposto sobre a receita obtida com as apostas em todos os jogos, subtraídos os prêmios pagos. Por outro lado, os apostadores pagarão 30% do recebido para o Imposto de Renda, respeitada a isenção de R$ 2.112.

Reação: CPI para apurar fraudes nas apostas esportivas foi instaurada na Câmara Federal (Divulgação) (Crédito:Divulgação)

“Os primeiros elementos da denúncia do presidente do Vila Nova nos permitiram desenvolver a investigação e a Operação Penalidade Máxima”, explica o promotor Fernando Cesconetto, sobre a conversa do dirigente com Bruno Lopez, que seria o chefe do grupo criminoso, e Marcos Vinicius Alves Barreira, jogador conhecido como “Romário”. “Foram apreendidos celulares e computadores. Também foram ouvidos diversos participantes do esquema, bem como jogadores aliciados”, segue Cesconetto. “A partir da análise dos indícios e do que foi colhido nos depoimentos, foi possível deflagrar a segunda fase da operação.”

“O Brasil é o país com o maior resultado de manipulação de jogos do mundo”
Felipe Carreras, deputado federal (PSB-PE), relator da CPI

Deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), idealizador e relator da CPI: a situação do país sem a regulamentação das casas de apostas é “bizarra” (Crédito: Alberto Rocha)

Pontapé inicial

Dos três mandados de prisão preventiva e 20 de busca e apreensão em abril, o caso evoluiu para a denúncia de 16 pessoas em maio (sete deles jogadores), com o relatório do Gaeco/MPGO listando 23 fatos criminosos com jogadores comprometidos com alvos de apostas, como cartões amarelos e pênaltis.

Clubes dispensaram jogadores e oito foram suspensos pelo STJD, enquanto a CBF se apressava em romper contrato com a Galera Bet, patrocinadora do Brasileiro até 2024, que reclamava na Justiça contra a abertura de sua exclusividade às concorrentes Betano e da Bet Nacional.

De toda forma, as bets seguem nas camisas de futebol de todo o país, incluindo o Vila Nova (a Esportes da Sorte, que tem sede em Curaçao, paraíso fiscal no Caribe).

O deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), idealizador e relator da CPI, já havia classificado de “bizarra” a situação do país sem a regulamentação das casas de apostas. Apenas Brasil e Indonésia, do G20 (que reúne ministros das finanças das 20 maiores economias do mundo), estão atrasados.

Mesmo porque, como disse, trata-se de “atividade econômica que gera milhões de empregos e movimenta bilhões em impostos”. No caso da CPI, o objetivo é indiciar e punir, destacou o parlamentar, “porque não há dúvidas de que será encontrada muita coisa errada”, e “obviamente” também as casas de apostas serão investigadas.

Enquanto se espera pela MP de regulamentação e pelos resultados da CPI, o promotor Fernando Cesconetto afirma: “Seguimos analisando provas colhidas e recebendo novos indícios. Esperamos revelar toda a atuação do grupo. Mas é importante ressaltar que os jogos fraudados e os jogadores que de fato participaram do caso representam uma minoria. Nossa intenção não é promover uma caça às bruxas. Há jogadores que se recusaram a participar do esquema. Portanto, as denúncias já oferecidas e outras que possam ser oferecidas são fruto de provas robustas, obtidas pelo MPGO”.