Internacional

O autogolpe do presidente que sacode o Equador

Um dia depois de iniciado processo de impeachment, o presidente Guillermo Lasso dissolve Constituinte para evitar sua destituição, alegando estado de crise política, e ganha pelo menos mais oito meses no poder

Crédito: RODRIGO BUENDIA

PORTAS FECHADAS Militares impedem acesso ao prédio da Assembleia Nacional (Crédito: RODRIGO BUENDIA)

Um presidente latino-americano dissolve o Parlamento para evitar sua condenação. Poderia ser o resumo das intenções da tentativa de golpe no Brasil em 8 de janeiro, mas isso acontece num país vizinho.

Um dia depois de a Assembleia Constituinte do Equador iniciar o processo que poderia levar à sua destituição, Guillermo Lasso, o presidente de extrema-direita e apoiador de Jair Bolsonaro, mandou as Forças Armadas e a Polícia Nacional fecharem o prédio do Parlamento em Quito. Logo após o autogolpe deflagrado na quarta-feira (17), o político do Movimiento Creo publicou em seu Twitter: “Esta é a melhor decisão para dar uma saída constitucional à crise política e à comoção interna que o Equador está enfrentando e devolver ao povo equatoriano o poder de decidir seu futuro nas próximas eleições”.

Políticos da oposição discordam do cenário: enquanto o Partido Social Cristão (PSC) pretende recorrer à Justiça, a coalizão de esquerda Revolução Cidadã, do ex-presidente Rafael Correa, exilado na Bélgica, diz que vai esperar novas eleições.

Nessas duas reações, fica a certeza de que o presidente deve ganhar uma sobrevida. Previsto pela legislação em alguns casos, o recurso utilizado para não deixar o cargo nem ficar inelegível é chamado de “morte cruzada”: ao passo em que os legisladores perdem seus poderes, pode acontecer o mesmo ao presidente, já que novas eleições serão realizadas em no máximo oito meses. Assim, Lasso governará por decreto até passar a faixa a outro líder.

O pedido de impeachment se deve à acusação de desvio de dinheiro público, por contratos de transporte de petróleo. Ele nega e diz acreditar em uma perseguição dos parlamentares.

No dia 16, início do processo de destituição, utilizando as hashtags #JuicioSinPruebas e #YoLosAcuso, postou: “Acuso-os porque jamais, ao longo deste processo, tentaram se aproximar da verdade, mas meramente do poder. Acuso-os porque esta tentativa de desestabilizar o governo é um ataque direto à democracia”.

Reunião de deputadas em frente ao Parlamento, em Quito (Crédito:RODRIGO BUENDIA)

Segunda chance

A destituição de Lasso seria a segunda da democracia equatoriana depois de Abdalá Bucaram, em 1997, além das duas quedas presidenciais nas últimas décadas: em 2000, com Jamil Mahuad, e em 2005, com Lucio Gutiérrez.

Na corda bamba do impeachment, o direitista optou pela possibilidade de perder o poder, desde que levasse os legisladores junto com ele. Entre os 137 parlamentares depostos, 60 pertencem à oposição do PSC (Partido Social Cristão) e do UNES (União pela Esperança). Bastariam 92 votos para derrubar Lasso, que numa primeira tentativa de impeachment, em junho do ano passado, ficou a 12 votos do afastamento.

Desta vez, a proposta de abrir o processo teve 88 votos favoráveis, o que deixaria a queda de Lasso consumada com apenas mais quatro votos. A aversão ao líder de extrema-direita transcende o interior do palácio: em fevereiro, o movimento indígena pediu sua renúncia, e grupos como o Pachakutik e a Esquerda Democrática somam forças à deposição.

Hoje, os descendentes de espanhóis e indígenas representam 65% da população do país. Entre as queixas dos que se opõem ao político conservador nas pautas de costumes está a incitação à violência para conter a criminalidade e o narcotráfico, crescentes no país. Lasso liberou o porte de armas para civis, colocou militares nas ruas e decretou toque de recolher em centros econômicos como Guayaquil – cidade natal em que atuou como banqueiro.

“Esta é a melhor decisão para uma saída constitucional à crise política no Equador” Guillermo Lasso, presidente, em vídeo postado no Twitter

 

BOLIVAR PARRA

Guillermo Lasso assumiu a presidência em 2021. Após três tentativas de eleição, venceu Andrés Arauz, candidato de seu maior rival, o ex-presidente Rafael Correa, com 52,5% dos votos, tendo Alfredo Borrero como vice.

Dois anos, duas tentativas de impeachment e muitos protestos populares mais tarde, ele acredita que o país está unido em busca da “tranquilidade” trazida pelo autogolpe. “O povo decide” (em tradução livre) foi outro bordão adotado por Lasso nas redes sociais. Depois dele, é claro.