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“Não há como não ter um componente militar no GSI”, diz novo chefe do gabinete

General Amaro é a solução rápida e caseira de Lula para tapar o buraco deixado com a saída polêmica de GDias e dar prosseguimento à desbolsonarização do órgão

Crédito: Foto: Cristiano Mariz/Agência O Glob

O general Amaro reconhece que a segurança do Palácio do Planalto é deficiente (Crédito: Foto: Cristiano Mariz/Agência O Glob)

O general da reserva Marcos Antonio Amaro assume o comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) após a saída conturbada do general Gonçalves Dias, que não resistiu à pressão causada pelo vazamento de imagens de circuito interno do Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro, o que acabou comprometendo seu trabalho.

As gravações escancararam a inércia dos militares do GSI para demover os golpistas da invasão à sede do Executivo e atestaram a deficiência da pasta incumbida de resguardar o presidente da República e seu entorno.

Longe de ser um novato no posto, Amaro foi a solução rápida e caseira de Lula para tapar o buraco aberto com a polêmica demissão de GDias, como era conhecido entre aliados.

O general retorna à função que exerceu por quase 10 anos, tendo passado por gestões do próprio petista, além dos governos de Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso. Gestor experiente da segurança presidencial, ele terá como principal desafio desmilitarizar o GSI e restaurar a credibilidade da pasta fragilizada pelo aparelhamento político que sofreu na gestão do general Augusto Heleno.

Em entrevista à ISTOÉ, Amaro avalia que a gestão passada e os atos ocorridos no início do ano provocaram um “profundo arranhão à imagem” do GSI. Mais que isso, demonstraram que a “segurança física do Palácio do Planalto é deficiente”.

Como deve ser a nova gestão do GSI

Segundo o novo ministro, os primeiros dias de gestão serão pautados na tentativa de restabelecer a capacidade plena das secretarias que compõem o órgão. Nos últimos dias, Lula ordenou que o ministro-interino Ricardo Cappelli promovesse uma série de exonerações para renovar o quadro de servidores do gabinete – algo que o general pretende dar continuidade nos próximos dias.

“Lula nunca me impôs condições. Mas algo que foi dito por ele durante a reunião que tivemos é de que o GSI deveria abrigar mais civis e a gente, obviamente, vai procurar atender essa solicitação do presidente.”

Para o titular da pasta, é preciso fortalecer as secretarias que atuam de forma paralela à coordenação da segurança presidencial.

“Existem outras três secretarias não tão conhecidas, além da secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Temos a Secretaria de Coordenação de Sistemas, que pega o programa nuclear e espacial brasileiro, a de Segurança da Informação e Cibernética, e a de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional – são secretarias de vulto, de importância, e que não tem tanta visibilidade. Nosso objetivo é restabelecer plenamente suas capacidades”, explica.

APARELHAMENTO A politização durante a gestão do general Augusto Heleno desarticulou o GSI (Crédito:Mateus Bonomi/AGIF/AFP; )

Questionado sobre os atos de 8 de janeiro, o novo ministro endossa o coro sobre a fragilidade da atuação do GSI na ocasião, mas atribui os episódios a uma “falha sistêmica mais abrangente”.

“O problema não ocorreu somente no Planalto, mas também em outros órgãos máximos da República, o que denota uma falha sistêmica mais abrangente. Quando acontece um problema desta magnitude, esse problema resulta de uma concorrência de vários fatores contributivos para esta ocorrência”, justifica.

Apesar de reconhecer a atuação deficiente dos militares, o órgão não pretende abrir mão da coordenação da segurança presidencial, atualmente sob responsabilidade da Polícia Federal.

“É algo que já está previsto no decreto que criou a Secretaria Extraordinária da Polícia Federal, que essa função retorne ao GSI no dia 30 de junho. Há uma previsão anterior à minha chegada para restabelecer ao GSI as atribuições tradicionais, que já estão aqui há muitos anos”, enfatiza.

FALHA O general Gonçalves Dias é suspeito de ter se omitido durante a invasão dos golpistas em 8 de janeiro (Crédito:Pedro Ladeira)

À reportagem, ele afirma que Lula não lhe impôs muitas condições para assumir o cargo, mas pediu-lhe que investisse na desmilitarização do órgão.

O general ressalta, porém, que não será uma tarefa fácil desassociar a pasta dos militares. “O GSI é um órgão de natureza militar por si só e não há como não ter um componente militar muito forte aqui.

O general também se mostra avesso à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em construção pelo governo para limitar a atuação de membros das Forças Armadas na ativa em cargos eletivos e postos civis em ministérios. “Não sou contra a PEC, mas a solução mais simples é não convidar, não atrair esses militares.”

Ele diz não ver como problema a participação de integrantes das Forças Armadas na política. “A questão da militarização da política vem sendo questionada, vem sendo levantada e acho o seguinte: o governo pode evitar que isso ocorra simplesmente deixando de colocar militares em cargos que possam ser dedicados aos civis. Essa militarização era de militares da reserva praticamente. Eu desconheço uma grande quantidade de militares da ativa em cargos políticos, que é o que a PEC tenta evitar”, explica.

Entrevista General Marcos Antonio Amaro
Chefe do Gabinete de Segurança Institucional

Qual será o mote do início da sua quarta passagem à frente do comando do GSI?
A nossa intenção é dar continuidade às competências e tradições do próprio GSI, que existe há 24 anos, restabelecer a plena capacidade de responder às suas competências em termos de segurança presidencial, em termos de controle de eventos, cerimonial militar e em várias outras competências que não são muito conhecidas. São secretarias de vulto e de importância que não têm tanta visibilidade quanto essa que ficou mais conhecida por conta dos eventos do 8 de janeiro. O objetivo é restabelecer plenamente as capacidades destas secretarias, especialmente a de Segurança e Coordenação Presidencial.

O senhor avalia que será preciso realizar novas exonerações de militares do quadro do órgão?
Temos que recuperar o pessoal, trazer outros militares, civis e servidores para essas lacunas e assim ter nossa capacidade restabelecida para que desempenhem plenamente suas funções. Precisamos pensar bem na reposição desse pessoal, seguindo a orientação do presidente, no sentido de termos mais civis trabalhando conosco.

O senhor tem defendido que a coordenação da segurança presidencial retorne ao GSI. Acha que isso pode causar mal-estar com a PF, atual responsável por garantir a segurança do presidente?
Creio que não haverá indisposição, porque a decisão foi tomada lá atrás e não há sinal de modificação desta intenção prevista no decreto que criou esse quadro. Temos como uma das nossas atribuições garantir ao presidente da República as condições necessárias para que ele possa cumprir o seu papel em qualquer ponto do território nacional, fazendo seu deslocamento em segurança e assegurando essa liberdade de movimento para que ele possa cumprir com suas atribuições.

Há a previsão de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) seja reincorporada ao GSI?
Não estou postulando o retorno da Abin para o GSI. Isso é algo que eu não pleiteei e não estou postulando. A decisão é do presidente. Queremos continuar contando com a colaboração da Abin no sentido de que nos forneçam os instrumentos e conhecimentos necessários para que a gente possa exercer as nossas responsabilidades no gabinete.

Pouco se sabe sobre a atuação do GSI. Há uma falha de transparência ou comunicação sobre o que de fato faz a pasta e qual seu papel institucional?
Não vejo como falha. Eu até prefiro de manter uma certa discrição sobre os trabalhos do GSI. Mas, nesse momento, me parece que convém essa exposição até para dar conhecimento a todos sobre o que estamos pensando para o futuro do GSI, inclusive para restabelecer a confiança que possa ter sido perdida.

Na gestão Bolsonaro, houve uma participação maior de militares em cargos estratégicos. Alguns desses militares, hoje, são investigados por suspeitas de crimes. O senhor crê que a militarização da política expôs as Forças Armadas de forma desnecessária?
Há uma tendência natural de generalizar. Mas essa é uma questão individual. Não é uma coisa inerente à instituição. São pessoas que se desviaram, que se comportaram de maneira inadequada e vão ser investigadas de acordo com o que manda a lei.

O governo pretende apresentar uma PEC para limitar a atuação de militares da ativa na política. Como o senhor vê essa proposta?
É uma opinião muito pessoal minha. A lei já proíbe a permanência de militar em cargo de natureza civil por mais de dois anos – é um tempo limite já estabelecido em lei. A presença deles em cargos públicos, assim, depende apenas dos convites. Basta não convidar. Exigir que exista uma legislação pode ser benéfica? Pode. Mas talvez não se faça tão necessária, porque se não querem militares na política, basta não convidá-los.